TERAPIA NA ÁGUA – A ÁGUA COMO INSTRUMENTO TERAPÊUTICO

Um Trabalho Corporal com enfoque Sistêmico

Autor: Margareth Alves

A Terapia Relacional Sistêmica tem como base a compreensão de que a relação com o terapeuta deve ser um instrumento terapêutico. Toda a formação foi integrada na vivência pessoal do terapeuta. Esta experiência foi muito importante por acreditar que um terapeuta só se tornará sistêmico se, primeiro, ele for sistêmico na vida. Foi necessário passar por uma revisão na minha história pessoal, na minha postura, nas crenças e valores para que, além de compreender teoricamente os conceitos sistêmicos, eu também pudesse vivênciá-los. Neste período de mudanças um poema passa a me acompanhar.

VERDADE

Carlos Drummond de Andrade, um poeta sistêmico.

A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar meia pessoa de cada vez. Assim não era possível atingir toda verdade porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil da meia verdade.

E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil. E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.

Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos.

Era dividida em metades diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma das duas era totalmente bela.

E carecia optar.

Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

TERAPIA RELACIONAL SISTÊMICA E TERAPIA CORPORAL

Por ter formação em terapia corporal quando começo a aprofundar a terapia sistêmica percebo a possibilidade da junção destes conhecimentos.

Paralelo à formação em sistêmica e pelo meu interesse crescente por desenvolver um trabalho voltado para os aspectos corporais, faço uma formação em Watsu. Watsu é uma terapia corporal desenvolvida na água. Em sessões de aproximadamente uma hora o terapeuta apóia e movimenta o paciente à medida que alonga e massageia os pontos de tensão muscular. O Watsu se fundamenta na liberdade de movimentos e de torções realizadas dentro da água. A piscina aquecida à 35 o C aumenta a sensibilidade dos tecidos e favorece o fluxo sanguíneo. Esta terapia aquática promove um estado profundo de relaxamento com mudanças no Sistema Nervoso Autônomo. Por aquietar o Sistema Nervoso Simpático e aumentar o Sistema Nervoso Parassimpático, o Watsu tem efeitos profundos no Sistema Neuromuscular.

Como diz Harold Dull, criador desta técnica: “Desde o começo eu concebi o Watsu como uma poesia em movimento que proporciona a vida fluir, abandonando os fardos que o corpo carrega.”

PARA QUÊ UMA PSICÓLOGA BUSCARIA UMA FORMAÇÃO EM WATSU?

Eu já desenvolvia um trabalho corporal junto com a sistêmica quando comecei a praticar Watsu com os meus clientes. Que crenças levariam uma terapeuta corporal e sistêmica a se interessar por um trabalho na água que é aplicado na maioria das vezes por fisioterapeutas?

O início da vida, o encontro do espermatozóide e do óvulo, começa no meio fluído. O feto durante toda a gestação fica no útero que é um local recheado de líquido, o amniótico. É lá que durante os nove meses o bebê irá se formar. Grande percentual de nosso corpo é composto de água. Temos vários sistemas em nosso organismo que funcionam na forma fluída possibilitando movimentos, o sistema linfático, o sistema circulatório, o intestino com seus movimentos peristálticos, o sistema urinário etc.

Desta forma eu levantava hipóteses. Os movimentos na água levam a pessoa a um estado “regressivo” no sentido de estar completamente dependente do cuidado do outro (o terapeuta) muito semelhante à situação uterina.

Trabalhar no meio aquático com as pessoas com respiração, manipulando as couraças, as camadas embrionárias poderia reequilibrar o funcionamento do sistema corporal e no emocional ativaria lembranças e sensações antigas, tornando o padrão de funcionamento consciente e trazendo à tona uma potência curativa. Sem contar que o meu contato com a água sempre foi extremamente prazeroso, um ambiente em que eu me sinto completamente à vontade.

Quando falamos da sistêmica estamos nos referindo do micro para o macro. É o átomo, a molécula, a célula, o organismo, a pessoa, a família, o mundo. Trabalhar com uma pessoa, corporalmente ou verbalmente, nos faz ter a consciência de que estamos ativando o seu universo, o da pessoa que nos procura, o de suas gerações anteriores e as gerações que virão. Desatar nós significa deixar o outro mais livre e libertar todo um sistema.

No final deste trabalho em “ANEXOS” encontram-se informações sobre a terapia corporal, sensações uterinas, padrões pré-natais, parto e o processo de encouraçamento que justificam teoricamente a minha busca. Estas leituras são importantes para compreender o meu encantamento pela corporal e da junção que foi possível fazer com a sistêmica.

TERAPIA NA ÁGUA

Após definir com o cliente os objetivos da terapia, ou seja, quais as mudanças necessárias e o que ele precisa aprender, com alguns clientes passo a intercalar a terapia no consultório com sessões na piscina. Avalio se esta experiência vai facilitar algum aprendizado, se eles se sentem à vontade na água e com o contato físico com a terapeuta.

Durante a sessão a pessoa fica na horizontal, uma posição de total passividade, com os olhos fechados apoiada pelo terapeuta que com movimentos básicos de expansão e contração, cria possibilidades para a auto-regulação do sistema.

Segundo Zanella e Mazzesi o corpo é abandonado na água completando alongamentos e movimentos quase impossíveis na “terra”, a partir disso emerge a inteligência sensorial e intuitiva que existe em cada um de nós e nos dá um estímulo vital.

Enquanto o cliente retrocede o terapeuta pode assumir uma figura simbólica de sua família, de alguém que foi seu cuidador de alguma forma. Quando chegamos ao final, ainda com os olhos fechados, o cliente sai de uma postura de passividade, de dependência e eu encosto sua coluna na parede da piscina, devolvendo a ele a posição de grouding, de autonomia. A pessoa está pronta para seguir. É um momento único.

Em que mundo o cliente vai “renascer” quando abrir os olhos? Seus olhos saindo de uma experiência na terapia na água são indescritíveis. Podemos perceber o brilho, a energia refeita, a vitalidade recuperada. A tomada de consciência de seu funcionamento que ocorre durante ou após as sessões na água são fundamentais para o processo terapêutico. C ria-se um ambiente totalmente confortável para a pessoa se soltar emocionalmente. O relaxamento é tão intenso que as pessoas têm muitas vezes a sensação do aconchego do útero materno.

A ÁGUA COMO CO-TERAPEUTA

Neste trabalho não estou sozinha com o cliente. Tenho um instrumento poderoso que é a água. Ela é a minha co-terapeuta. Usando a água como símbolo, metáfora ou usando como instrumento real, é um recurso dos mais eficiente, profundo e encantador. A água faz o movimento ser o mais natural possível. O que dá muita segurança ao terapeuta, diminuindo o risco de “retraumatizar”, ou seja, de reviver a experiência dolorosa e intensificar ainda mais a sua dor, não libertando do trauma, mas reforçando ainda mais as suas defesas.

A água aquecida dá leveza, traz harmonia e integração ao corpo e seus conteúdos. A sensação de ser embalado na água morna, de experimentar o corpo deslizando em movimentos suaves e compassados, leva a um profundo relaxamento físico e mental.

Conforme Fúlvio Zanella coloca em seu texto “A água é um elemento que nós encontramos diariamente no plano físico e imaginativo. Ela representa continente, berço, nutrição, proteção e purificação. Água está dentro e fora de nós. É um elemento que nos faz menos isolados e que nos abre a exploração de necessidades, medos e desejos que cada um traz. A experiência na água dá a possibilidade de viver emoções profundas e entrar em contato com o potencial criativo. Ajuda a abandonar as tensões, as distorções, as posturas que as feridas representam, os abusos, as faltas, as manipulações sofridas, e a dar boas-vindas à força curativa.”

Quanto mais movimentos são feitos na água, mais quietude interna a pessoa experimenta. O silêncio encontrado dentro da água é muito profundo. Proporciona para a pessoa um momento de encontro consigo mesmo. O contato com as respostas que estão dentro de si. Poder ouvir é uma condição biológica, mas saber ouvir é um aprendizado. É um espaço para que o cliente se atualize. Novos recursos são encontrados ao tocar o seu corpo. Nova percepção relacional. A arte da terapia é aprender a contatar estes recursos e aprofundá-los.

Nem sempre as sessões são só prazerosas. Assim como na vida, as sessões podem ter momentos de incômodos, mal-estar, sensações de tontura e náuseas. É um trabalho em que o medo vem à tona e é experimentado. Atrai por oferecer amor incondicional, toque que alimenta, libertação, paz e descanso. Tudo isto pode estar tão em falta na vida que quando experimentado atravessa a armadura e derruba as defesas. Mesmo assim a torre caindo no mar não precisa ser traumática. A desintegração e o renascimento podem ser calmos. Mesmo desencadeando os sentimentos mais devastadores, simultaneamente dá segurança e espaço para eles. Os movimentos suaves na água baixam a freqüência cardíaca e algumas pessoas chegam a dormir durante o trabalho.

A água leva a um equilíbrio mental e espiritual. Ela mobiliza sentimentos. Não interpreto, não tiro conclusões. Neste momento ouço, dou continente, espaço e tempo para que a pessoa compreenda estas reações ou não. Apenas consiga sentir, experimentar o incômodo e sobreviver a ele de uma forma funcional, que possa trazer aprendizados.

CUIDANDO DO CUIDADOR

A terapia na água também está voltada para os estudantes e profissionais da área de saúde. Profissionais que em sua atividade diária no cuidado de vidas e restituição do bem-estar das pessoas, podem acabar produzindo quadros de depressão, ansiedade, estresse. O efeito destes quadros muitas vezes é subestimado. Aos poucos é que se tem disseminado a preocupação com a necessidade de cuidar de quem cuida.

TERAPIA NA ÁGUA COM GRUPOS

Após um tempo com as sessões individuais na água inicio o trabalho com grupos. Utilizando os conceitos da terapia corporal e sistêmica desenvolvo o trabalho que chamo de “terapia na água”. No grupo ensino uma seqüência de movimentos que as pessoas, em duplas, aplicam uma nas outras. Há um momento em que a pessoa faz o movimento no outro e depois recebe. Após o trabalho na água vamos compartilhar o que foi vivido. O trabalho em grupo é uma ferramenta poderosa revelando o quanto se permite, dentro de uma situação protegida, explorar o que se viveu na água, e depois na “terra” trazer à consciência, para pensar em comportamentos novos, explorando o “aqui e agora”. Para isto uso dramatizações, jogos de papéis, movimentos corporais, trabalhos com argila e colagem.

A Terapia Biossistêmica é uma terapia corporal com conceitos sistêmicos que descreve o encontro entre as teorias com base biológicas e uma visão sistêmica das relações que ajudam a integrar processos fisiológicos de vários níveis (molecular, orgânico) a campos diversos das funções mentais (lógico-verbal, imaginativo-visual). É impossível solucionar alguns conflitos de um núcleo familiar, sem responsabilizar cada membro da própria família pela sua cota de participação nesse conflito. E como é difícil resolver a patologia de um indivíduo se ela não é situada dentro do complexo familiar. (Stupiggia, 1997).

Sistemas com fronteiras rígidas experimentam a oportunidade de fazer movimentos na água para flexibilizar. Sistemas com fronteiras difusas aprendem a tornar mais claro os seus limites. Isto aparece no olhar, no gesto e no corpo. Da forma como a sessão é conduzida a palavra perde um pouco o seu impacto, a sua importância.

O toque corporal, o ser embalado na água por alguém da família, cria a oportunidade de transformar o significado da experiência. Algumas vezes pude presenciar a ação curativa do perdão acontecendo apenas pelo toque, sem que a palavra fosse necessária. A compaixão pelo outro se faz presente em muitos momentos.

A água permite experiências quase impossíveis na “vida real” como embalar nos braços um filho já adulto. A relação de confiança muitas vezes é tema das sessões. Abrir mão do controle, se entregar para que o outro conduza os movimentos nem sempre é tarefa fácil.

A experiência com casais também é gratificante. Observar suas colusões e trabalhar com novas possibilidades. O parceiro que só recebe ou o que só dá experimenta o “fazer diferente”. Nem melhor, nem pior, mas diferente.

A competição através de movimentos lúdicos pode se transformar em cooperação.

Casais que esperam um bebê fazem parte de um sistema que vai se adaptando a esta nova formação. A gestante ao ser cuidada por mim ou pelo seu parceiro na água, se identifica com o seu bebê. O meio aquático traz sensações para a mãe e ela relata que devem ser muito semelhantes às sensações de seu filho. Algumas relatam que o bebê se movimenta muito durante a sessão sintonizados com o que está acontecendo.

O QUE DIZ O CORPO DO TERAPEUTA?

Postura, ritmo lento e ponderado, processo meditativo e consciente da respiração, vibração, cadência e pulsação. O tom é dado pela relação terapeuta-cliente. O terapeuta e seu corpo são, literalmente, instrumentos terapêuticos.

Na Terapia Biossistêmica, Maurizio Stupiggia diz que observa-se muito a relação entre a mãe e o filho. Há uma dança, um baile de gestualidade nos primeiros meses onde o filho tem que completar o gesto e o olhar se ele encontrar um ambiente receptivo.

Na sessão não é diferente, o terapeuta entra na “dança”. Ele pretende estar em intimidade com o outro sem ser sedutor, estar em união com o outro sem ser projetivo, saber ajudar o outro sem ser diretivo. O terapeuta aberto ao diálogo não-verbal aprenderá com seu cliente, assim como o ensinará. Existirá uma maior interação dinâmica entre eles baseada em uma comunicação aberta e um processo de desenvolvimento mútuo.

O corpo do terapeuta é uma ferramenta fundamental. É ele que entrará em sintonia com as mais sutis tensões e estados emocionais do cliente. Reich chamava este processo de “identificação vegetativa”. Isto significa, sentir em seu próprio corpo o esforço do cliente, seu ritmo e sua qualidade de pulsação. A interação corpo a corpo é uma das formas mais poderosas de aprender novos padrões de crescimento. O terapeuta se torna algumas vezes, um “dançarino de contato”, que guia o cliente para uma nova experimentação de suas raízes corporais. A terapia é então uma forma de orientação de contato.

Obviamente, transferência e contra-transferência, com o uso do toque são fortes e o terapeuta precisa ter realizado muito trabalho pessoal antes de estar pronto para participar desta forma profunda de diálogo somático de uma maneira responsável, que evite o perigo de invasão. (David Boadella).

CONCLUSÃO

De acordo com um artigo de Esther Frankel, um psiquiatra mencionou que a psicoterapia orientada para a palavra é freqüentemente criticada por só trabalhar na extremidade de cima do corpo, dando ênfase para a cabeça, se envolvendo principalmente com questões racionais e intelectuais. É sabido, a partir de pesquisas com crianças e bebês, que as emoções profundas que estão provavelmente envolvidas nas desordens psíquicas existentes estão na esfera da aquisição pré-verbal. Se quisermos entrar nesta esfera requeremos métodos pré-verbais. É muito plausível que estas emoções primitivas e arcaicas, como amor e ódio, estejam mais relacionadas ao toque e a movimentos corporais do que a palavra que desenvolve-se mais tarde. O sistema emocional relacional está enraizado no corpo. A experiência somato-motora é a base do desenvolvimento do self. Sendo assim as terapias corporais tem conquistado um espaço cada vez maior.

Torna-se evidente o fato de que toda pessoa que apresenta um problema emotivo traz em si a necessidade de que a levem em conta tanto verbal quanto corporalmente. Os distúrbios psicossomáticos derivam da discrepância entre os dois níveis: o corpo não tem as palavras para dizer aquilo que sente necessidade de exprimir. Quantas pessoas vêm à terapia queixando-se de seus males e, ao mesmo tempo, manifestando surpresa por não estarem curadas apesar da leitura de muitos livros de psicologia que as informaram sobre sua patologia. O componente corporal da emoção, na verdade, não é redutível a conceitos, tem existência própria: é a garantia do fato de que aquilo que eu afirmo sentir não é um raciocínio vazio e, sim, um sentimento real. (Maurizio Stupiggia, 1997).

Assim, torna-se mais clara a necessidade de fazer também o corpo entrar no estudo do terapeuta. Esta é uma linguagem da doença, uma linguagem sem palavras, dirigida por um sofredor que não pode diagnosticar seu próprio mal estar porque a “própria coisa” é uma experiência inexpressável, que reverbera de seu lugar naquela fase sem palavras, da vida dentro do útero. (Frank Lake).

A Terapia Relacional Sistêmica segue todos os pressupostos teóricos, técnicos e clínicos enfocando o cliente, seja ele um indivíduo, uma família ou um casal, como um sistema em relação. O sistema em terapia necessita tomar consciência do seu funcionamento e das suas dificuldades para desenvolver um programa de mudanças e assim, ter como aprender e treinar os novos comportamentos, atitudes e sentimentos. ( Rosset 2000).

O trabalho seja na água ou na “terra”, deve abrir possibilidades para ampliar a consciência e a mudança no funcionamento de cada um. Qualquer pessoa pode descobrir a leveza e a serenidade proporcionadas pelo trabalho, não só beneficiando quem recebe, mas também quem dá tamanho o envolvimento nesta relação.

É um processo, um caminho a ser trilhado respeitando o limite e o ritmo de cada pessoa. Diz um ditado antigo: “A mente é como o vento e o corpo como a areia. Se você quer conhecer o vento, observe o movimento da areia.”

RELATOS ESCRITOS POR CLIENTES E TERAPEUTAS QUE FORAM

ATENDIDOS NA TERAPIA NA ÁGUA

Amor, fluir, limpeza, liberdade, contenção, sensualidade, apaixonante. Flexibilidade das juntas, rins funcionaram melhor e o intestino também.
Respiração mais profunda.
Em terapia dei passos que não estava conseguindo dar por medo, diminuiu a resistência, a ansiedade e o medo.
Trouxe um pouco de raiva à tona.
Expressei-me melhor por alguns dias, também fiquei mais suave, mais leve. Fortaleceu vínculos de confiança.
Melhorou a autoconfiança, meu quadril está mais solto, estou me cuidando melhor.
É uma das melhores técnicas que já vivi pra desbloquear couraças.
Durante dias lembrava de alguns movimentos, me dava bem estar, alegria, prazer.
É um trabalho lindo, uma arte, parece uma dança. Apaixonante.
Sou de Touro, de terra, a água me tira da estagnação, preciso da água pra fluir amolecer, suavizar, sair do lugar.Senti a energia circulando.
Durante a sessão “parei” e fiquei em contato comigo mesmo em um nível em que a mente não tinha muito o que fazer entregando-me às sensações do corpo.
Sensação de purificação e de integração. Fiquei mais inteira e intensa. Pareço ter saído da agitação de minha mente e ancorado num ponto onde cada célula do corpo está se expressando.
É uma sensação de cura, de harmonização, de serenidade.
Em alguns momentos foi como se eu estivesse solta no espaço.
Percebi efeitos depurativos, tranqüilizadores, com uma sensação de integração e de bem estar.
Senti uma liberação dos bloqueios e tensões.
Chega a um nível de percepção que não se atingiria pelo verbal.
Tive muita náusea, mal-estar e pude ter consciência que está ligado aos meus medos. Foi como se eu tivesse me lançado no escuro e é assim na vida. Quando vou em direção ao desconhecido, passo muito mal.
Tudo foi muito bom, me senti protegida, cuidada, acariciada, com um tempo só para mim e com a sensação ser estar sendo acolhida.
A água morna tocando meu corpo aliada aos movimentos feitos, trazia em alguns momentos, a sensação de estar planando sobre a água, outras de estar voando calmamente, outras ainda de estar dentro de alguma coisa muito confortável que não sei muito bem o que era, em nenhum momento me senti abandonada, correndo qualquer tipo de perigo ou sofrendo algum dano.
Teve um momento onde imaginei estar nos braços de minha mãe, sendo por ela ninada e ter tido a sensação de que finalmente estaria me reconciliando com ela, uma vez que temos muita dificuldade em nos entender (questões muito antigas e de difícil solução).
Foram minutos (vários) muito especiais, os quais gostaria que pudessem ser repetidos, tanto que quando a atividade terminou, levou um tempo para eu poder me acostumar de novo a não ser “levada” e conduzir eu mesma os rumos da minha vida.
Enquanto passava pela vivência, fiquei pensando em um sem-número de pessoas que poderia se beneficiar dessa atividade, como as deprimidas, com ansiedade, ou síndromes como a do pânico, onde a manifestação mais marcante é a sensação de perigo iminente, Com tanta proteção recebida, seria impossível não ficar bem.
Acho que consegui tirar uma hora só para mim, o que geralmente não acontece e isso foi fantástico!
É um pedacinho do céu.
Então é isso que eu procuro nas minhas relações? A total confiança que senti, a entrega que pude experimentar, a forma como você me cuidou, porque não é assim na vida? Porque é tão difícil?
Lembrei de meu filho o tempo todo, quando ele era bem pequenininho, um bebê. Ele confiava plenamente em mim e isto me alimentava. Olhar para ele enquanto dormia era maravilhoso. Eu pude me sentir como ele, descansando nos seus braços.
O que posso dizer é que como nos movimentos na água, eu posso ter minha independência, voar para longe, mas continuo tendo alguém para me apoiar. Ter liberdade e independência não quer dizer ter que ficar sozinho, uma coisa não deve anular a outra.
Outra relação que fiz depois de pensar um pouco, é que o trabalho na água me lembrou um parto, pois ficamos nove meses protegidos na barriga da mãe, pertinho e aquecido dentro da bolsa, e que quando nascemos temos que seguir sozinhos.
A emoção veio logo no começo da sessão, pois me lembrei de quando era bebê, e da minha ligação com a minha mãe. Sempre me emociono quando penso nela, parece que sinto uma gratidão eterna pelo carinho que ela tem comigo.
Ouvi um som inaudível. Fui tocada pelo impalpável. Pude ver o mundo invisível e tão presente em que vivemos. Sou o universo. Diluída na água. Dissolvida no espaço. Não há tempo. Não há vazio. Há compasso. Ritmado. E entrar em contato, em compasso, em ritmo com o universo é sentir-se preenchida. Não há medo. Não há sobressaltos. Não há carência. Não há melancolia e desespero. Há um solene som que preenche todo espaço vazio. Viver em compasso com o universo é caminhar em paz, consciente, seguro e atento. É enxergar cada problema, tropeço e erro como um descompasso apenas. Não há culpa. Há um querer entrar em compasso. Sem pressa, sem alvoroço, sem atropelo.
Tenho certeza deste universo. Não é nada esotérico ou algo mediúnico. Tenho certeza disso quando percebi tudo em nível físico. Por dentro, eu ainda estava metida naquele turbilhão cotidiano, com o pensamento nas preocupações diárias. A sensação de não estar na água era absolutamente física. Tanto que não consegui explicar direito ao fim da sessão. Nem a mim mesma pude traduzir tão instantaneamente tudo o que senti na pele, no corpo.
Ao deixar a piscina, um chuvisco caía. Nem o percebi. Ainda naquele estado, a chuva molhava por dentro e não por fora mais. Trazia conforto e não o desconforto. E o resto do dia caminhou assim. Chuva lá fora que aprazia aqui dentro.
Nesta sessão o silêncio foi tão intenso que pude ouvir os meus batimentos cardíacos e a minha respiração como nunca ouvira antes.

A N E X O S

O PROCESSO FORMATIVO – UMA VIAGEM FANTÁSTICA

Para formar o corpo de uma pessoa, as células germinativas que estão embutidas nos tecido dos pais tem primeiro que se soltar para poderem fluir livremente. Esses eventos são explosivos e culminantes. Nós podemos apenas maravilhar-nos com este processo de auto-formação.

O espermatozóide e o óvulo, pontos microscópios de plasma germinativo que possuem uma história própria, começam a se locomover um em direção ao outro. O óvulo flutua pelo oviduto e é carregado pôr ondas peristálticas e pelo batimento dos cílios da trompa de Falópio. Quatrocentos milhões de espermatozóides nadam contra a corrente.

O rio mucoso que leva esse fantástico cardume de espermatozóide não só os alimenta como também parece abrir seu apetite e atraí-los em direção ao óvulo. O primeiro espermatozóide a fazer contato com a membrana gelatinosa do óvulo incita uma resposta deste. A membrana parece formar uma espécie de cone e fica macia o suficiente para permitir que o espermatozóide penetre no fluido interno da célula. Assim que ele tiver passado pela membrana, ela se torna impermeável a todos os outros que ficam se chocando com ela.

O flutuante, mas agora fertilizado zigoto continua sua lenta viagem através do oviduto. Após trinta horas ele terá executado sua primeira divisão em duas células. Depois de seis ou sete divisões, o agrupamento celular que tem uma semana de idade se precipita em direção à parede do endométrio e lá se implanta.

A implantação se assemelha a uma aterrissagem na lua. Se o útero é sentido como não receptivo, trará conseqüências e marcas na história desta pessoa. Se é receptivo a massa celular põe efetivamente suas raízes em solo fértil.

Quando em terapia observo alguns clientes com dificuldades em se fixar, criar raízes seja na família, no trabalho, na vida fico pensando em como teria sido este momento da implantação. Será que encontrou solo fértil neste momento ou não? Também penso no sentimento de solidão que nos acompanha por toda a vida. Teria relação com o tempo em que a concepção acontece e a mãe ainda não tem conhecimento da existência do bebê e ele se sente completamente sozinho em seu universo uterino?

Saber que a nossa história começa no ventre dá um novo sentido à gestação.

TERAPIA CORPORAL

Segundo David Boadella, o terapeuta corporal olha para a história evolutiva do corpo, compreendendo o significado das suas camadas germinativas e o seu desenvolvimento, da concepção em diante, em termos da morfologia dinâmica da pessoa que pede ajuda terapêutica. Analisamos e compreendemos esta pessoa, as estruturas corporais, da história da vida intra-uterina à morfologia dinâmica do corpo.

MORFOLOGIA DINÂMICA

Existem três camadas que se desenvolvem no período embrionário.

  1. ENDODERMA, que é a camada interna: Forma o abdômen, órgãos digestivos e pulmões. Gera energia para o corpo se manter vivo.
  2. MESODERMA, que é a camada intermediária: Forma o Sistema Cardiovascular e o Sistema Esqueleto-Muscular. Responsável pelo relaxamento ou contração muscular. O coração bombeia sangue através do corpo para carregá-lo de energia disponível para a ação.
  3. ECTODERMA, que é a parte externa: Governa o fluxo de informação que entra e sai do corpo. Pele, órgãos dos sentidos, cérebros e nervos.

Em algum momento da evolução do ser humano existe uma quebra da unidade do organismo. Esta perda da unidade afeta a integração funcional das três camadas embrionárias no corpo. Elas se desenvolvem na primeira semana de vida. O efeito desta quebra tira a ação do pensamento e do sentimento, a emoção do movimento e da percepção, a compreensão do movimento e do sentimento. Ou seja, a pessoa muitas vezes passa a não ter uma integração entre o que faz, o que pensa e o que sente. Há uma quebra e é importante ter consciência desta quebra, para que as mudanças necessárias ocorram, trazendo a reintegração do pensamento, sentimento e ação.

SENSAÇÕES UTERINAS, PADRÕES PRÉ-NATAIS E O PARTO

O feto pode ver a luz através da parede do útero, pode ouvir sons, tanto internos como externos, e pesquisas recentes mostram que o feto sonha mais do que a criança já nascida. A importância da pele e do contato da pele é que constitui nossa mais precoce e mais profundamente enraizada experiência do mundo. Muito antes de bebermos o mundo através do aparelho digestivo ou de andarmos, o mundo nos contata através do toque da parede do útero. Esta experiência poderá ser agradável ou não, dolorosa ou relaxante de acordo com a condição da mãe e de acordo com as relações que esta mãe estabelece.

No livro de Leboyer “Nascimento sem violência”, se descreve como um parto difícil pode traumatizar o feto que registra tudo e pode trazer marcas profundas ao longo de sua vida por conta desta experiência.

A criança passa de um mundo:

Dominado por sensações da pele, para um mundo no qual recebe as informações à distância principalmente os olhos e ouvidos.
No qual o oxigênio e a alimentação chegam pelo umbigo, para um mundo em que vai utilizar o nariz e a boca.
No qual os músculos não suportam peso e ficam em suspensão em líquido, para um mundo no qual eles desempenham uma função anti-gravidade.
A relação entre estas transições e as camadas embrionárias é óbvia e rica de significados para o futuro desenvolvimento de sua personalidade.

COURAÇA – PROCESSO DE ENCOURAÇAMENTO

Imagine um soldado que vai para um campo de batalha. Ele se veste com armaduras para se proteger do ataque inimigo. Quanto mais resistente esta armadura, mais protegido ele estará. Você já percebeu que muitas pessoas olham para a vida como se fosse um campo de batalha? São pessoas que sofreram, se sentiram ameaçadas e hoje se defendem, ficam armadas a qualquer sinal de aproximação do outro. Defendem-se através das duras palavras, endurecem o coração, o corpo e a alma.

Olhando para o corpo das pessoas podemos perceber as armaduras mais rígidas. Um peito endurecido, um olhar tirânico, um tique nervoso, a respiração ofegante ou curta demais. São processos de encouraçamento que vão acontecendo durante toda a nossa vida, principalmente na infância.

A couraça pode ser dividida em duas partes: as contrações musculares temporárias ou naturais, e as contrações musculares permanentes ou crônicas. As primeiras manifestam-se em qualquer animal vivo quando ameaçado, mas são deixadas de lado quando a ameaça desaparece. As outras são originadas da mesma fonte, mas frente à continuidade da ameaças ficam sempre ativas, tornando-se crônicas e chegando a reagir a perigos permanentes internos e não mais externos.

De acordo com Alexander Lowen, para uma melhor idéia do processo, você pode simplesmente dar atenção às suas sensações a qualquer momento, examiná-las e então descobrir que está segurando a respiração, que é o melhor meio de controlar seus sentimentos. No encouraçamento há permanência da imobilidade e os sentimentos ficam congelados.

IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOADELLA, David. Artigo sobre Embriologia e Terapia.

DULL, Harold. Artigo sobre Watsu.

FRANKEL, Esther. Artigo sobre Psicoterapia Corporal: Desafios, Entraves e Perspectivas.

LOWEN, Alexander. Prazer. Uma abordagem criativa da vida. Ed. Círculo do Livro. 1970.

ROSSET, Solange Maria. Tempo e Espaço. 2000.

ROSSET, Solange Maria. Terapia Relacional Sistêmica. 2000.

STUPIGGIA, Maurizio. Curso sobre Biossistêmica. 1999.

STUPIGGIA, Maurizio e LISS, Jerome. A Terapia Biossistêmica. Uma abordagem original da terapia psicocorporal. Summus Editorial. 1997.

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